Quem conhece São João da Barra a mais de dois anos, já ouviu, alguma vez, as famosas marchas carnavalescas :
“Ouvi uma gargalhada lá do alto do oriente
Quá, quá, quá quá quá quá, mas deve ser essa gente,
Essa gente que vive a magoar...”
- e do outro lado:
“A gargalhada que vocês ouviram,
Aqui do alto do oriente,
Ela não foi forçada,
Foi a vitoria de nossa gente...”
Essas marchas rancho, a primeira dos Congos e a resposta do Chinês, são o mais popular exemplo de uma prática literária sanjoanense muito antiga.
A tradição costuma opor literatos, cultos ou populares, em campos opostos dos vários partidos políticos, carnavalescos, ou simplesmente jornalísticos para com penas afiadíssimas se digladiarem ou através das paginas dos semanários, nos famosos Bandos Juninos ou até mesmo nas cantigas de carnaval.
Misturar carnaval com política sempre foi mister do nosso povo. São famosas as críticas carnavalescas de costumes.
Mas o que pretendo contar é a historia do Dr. Fernando Pinheiro e seu jornal “A Evolução” com o professor Aluizio Faria do outro lado em “O Libertador” antagônico jornais políticos da época.
A historia eu soube por João Oscar , quem diz que: “...o desentendimento entre os redatores políticos dos dois jornais era por demais conhecido de todos. Ambos usavam e abusavam da troca de ofensas e palavras ásperas(...) Aluizio Faria, imprudente e mordaz, dizia gatos e lagartos do venerando clínico, mas cessou de dizê-lo quando, em 3 de setembro de 1950, inopinadamente, “A Evolução” publicou o seguinte soneto:
PERFIL DE QUASÍMODO
Soneto de autor ignorado, publicado, há tempos, na imprensa de Campos, dedicado ao Prof. A.Faria,
Horrendo, qual pintor em tela fina
Debuxar jamais pode ou nunca ousara;
Horrendo qual jamais desabrochara
Algum caso sem par na medicina.
Horrendo, qual se a própria mão ferina
Do diabo lhe animara a forma rara;
Horrendo como alguém que pôs a cara
Em conserva no fosso da latrina;
Horrendo, qual alguém que por acaso
Tenha chegado ao mundo a muito custo,
Ou tenha, então, nascido com atraso...
Digo-te aqui, ó professor, em segredo:
Quem pode ver-te sem morrer de susto?
Quem pode olhar-te sem morrer de medo?...
E João Oscar continua “...tratava-se, evidentemente, de parodia de um soneto famoso. Mas foi tão grande a repercussão desse fato na alma de Aluisio Faria, que anos mais tarde, em sua residência, nas proximidades do Fórum Sanjoanense, ele me confidenciou – Jamais me aborreci tanto em minha vida.”
Tempos depois, comentando o fato com Moema Magalhães, ela me disse que havia um zum, zum, zum, na sua casa de que teria sido, seu pai Dr. Newton Alves, excelente poeta, e não Dr. Fernando, excelente clínico, o autor da paródia. Ela não afirmou, mas deixou a dúvida no ar.
A alguns dias encontrei em meu acervo um número do jornal “Primeiro de Março” de 07 de dezembro de 1871, em que publicou-se o seguinte soneto:
A UMA CELEBRIDADE ARTISTICA
Formosa, qual pincel em tela fina
Debuxar jamais pode; ou nunca ousara,
Formosa, qual aos céus jamais brilhara,
Astro gentil, estrela matutina!
Formosa, qual se a própria mão divina
Lhe alinhara o contorno, a forma rara,
Formosa, qual jamais desabrochara,
Na primavera a rosa purpurina.
Formosa em fim, qual natureza e arte,
Dando as mãos em seus dons, em seus louvores,
Jamais pode imitar em qualquer parte!
Mulher Celeste! Oh! Anjo de Primores!
Quem pode ver-te, sem querer amar-te,
Quem pode amar-te, sem morrer de amores?
Maciel Monteiro.
Se foi Dr. Newton ou Dr. Fernando, penso que jamais saberemos, mas contudo, o habito dos duelos literários, tão ao gosto nordestino, foi espontâneo na nossa cultura e temos outros exemplos que ficam para outra ocasião.
Fernando Antonio Lobato
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