terça-feira, 10 de abril de 2012

A PRIMEIRA TABELIÃ DO BRASIL


Conheci Vovó Mocinha já bem velhinha, uma incongruência talvez, mas o fato e que conheci a avó de mamãe já cega e quase sempre sentada em uma cadeira de balanço no quarto em frente a sala de jantar de sua casa na rua Direita. A casa ficava  quase em frente a praça, onde moravam as pessoas importantes da cidade. E vovó Mocinha, era uma pessoa muito importante na cidade. Mamãe dizia que ela havia sido nomeada a Primeira Mulher Tabeliã do Brasil. Havia uma placa de prata em cima do móvel da sala de estar do velho solar, que confirmava este fato. Um dia me disseram que ela seria até Condessa, mas eu descobri logo que isso era mentira.
Mas Vovó - na realidade Irene de Souza Lobato era minha bisavó, era mesmo uma pessoa importante por aqui. Ela herdou o Cartório do Primeiro Oficio de seu pai João de Souza, naquela época os cartórios eram hereditários e o nosso já estava na família desde o pai de Caá, esposa de João de Souza, o Coronel Francisco Ferreira Pinto que vindo de Nictheroy aqui se casou com minha Quarta Avó Catharina de Sena. Voltando a Vovó Mocinha, herdando o cartório ela foi nomeada pelo Governo Federal, pois as nomeações eram federais, e passou a ser a Primeira Mulher no país a ocupar tal cargo.
Vovó nasceu aqui mesmo em São João da Barra em 25 de abril de 1890, filha de João Batista de Souza Salermo e Carolina Sena de Oliveira Pinto, estudou na Escola Mista e era componente do Coral da Matriz, do qual faziam parte Carmem Martins Coutinho, Carlotinha Machado, Lucia Cruz, Carola Braga, Estelita Zacarias, Laudelina, Antunica Cezar, Luzia Jorge, Mocinha Madalena, Manoel Braga e Álvaro de Oliveira. Casou-se em 1908 com Jorge Lobato de Oliveira com quem teve três filhos Antenor, Joaquim e Dalila. Logo ficou viúva quando Jorge faleceu, vitima de uma tuberculose em 18/12/1913, voltando para a casa paterna com seus três filhos pequenos.
Após o falecimento de seu pai João de Souza, foi nomeada para assumir o cartório da família. Em 1928 casou-se a segunda vez com Ermelindo Coelho nascendo o quarto Filho João Antonio em 07 de julho de 1930.
Segundo mamãe, vovó era excelente cozinheira e em sua mesa havia sempre uma fartura exagerada de alimentos com ensopados, assados para quem não comia ensopado, peixe para quem não comia assado, frango para quem não comia peixe, tortas, sopas e doces em profusão. Devotadíssima de São Benedito vinha sempre aos domingos acender velas para seus antepassados falecidos, me lembro dela acompanhada sempre de tia Detinha e de Ely. Ainda segundo mamãe, vovó adorava um “movimento” e quando morava no Campo do Suco, numa casa que fazia fundos com a rua Direita, ela se mudava por ocasião da festa de São João para a casa da praça. Eram trouxas de roupas, caixas com mantimentos, roupas de cama, bacias, panelas e todo trem de cozinha que ela despachava em várias carroças, retornando tudo depois do evento. Para depois fazer tudo de novo no carnaval e rumo a Atafona na festa de N.Senhora da Penha quando ela se alojava com sua entourage na casinha de fronte para a igreja e fundo para o farol, entre pitangueira e guriris.
Uma mulher moderna para os padrões de sua época, criou seus filhos e os netos Jorge, Ely e Georgina, filhos de seu filho Quincas. A última lembrança que tenho dela foi um passeio que fizemos de caminhonete às suas terras em Buena, uma fazenda linda que se quedava no mar com pedregulhos e mariscos, onde passamos um dia inteiro entre brincadeiras mis. Depois ela foi para o hospital e ficou até morrer na véspera do Natal, no dia 24 de dezembro de 1972.
Tenho saudades da varanda da casa dela, de chegarmos para as festas e passarmos no quarto para tomar-lhe a benção. Aquela veneranda criatura, que nos enchia de orgulho por dela descendermos. Vovó Mocinha, uma sanjoanense das primeiras e cujo nome hoje é sempre lembrado quando passa o carro do gás anunciando seu endereço em Atafona à rua Irene de Souza Lobato próximo ao Arahujo Material de Construção.

Fotografia dos alunos da Escola Mista Municipal na virada do século. Tendo à frente a menina Irene Sena segurando a placa de identificação. Ao fundo a professora que ainda estamos tentando descobrir quem era.

Fernando Antonio Lobato

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